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Imagem de fluorescência do verme Caenorhabditis elegans com células coradas. [◉°] João Picão Osório

Um novo estudo realizado por uma equipa internacional liderada pelo investigador CE3C João Picão Osório vem desvendar um pouco mais sobre o processo evolutivo dos organismos, o que o potencia e o que o pode condicionar. Ao analisarem o desenvolvimento de tecidos de dois grupos distintos de pequenos vermes (nemátodes), os investigadores descobriram que a forma como as células respondem a mutações desempenha um papel determinante no seu destino. Em cada grupo, certas células mostraram-se muito mais sensíveis a pequenas variações genéticas ou ambientais, abrindo espaço para mudanças rápidas. Noutras, essa sensibilidade era menor, tornando a evolução mais lenta ou mais estável. A descoberta, publicada na revista científica PNAS, veio mostrar que é preciso compreender como as alterações genéticas se manifestam no corpo para percebermos os diferentes caminhos que a evolução pode tomar.

Mas afinal, como evoluem as espécies? Dentro de cada espécie, há diferenças naturais entre os indivíduos, como a cor, o tamanho e até a resistência a doenças, umas mais simples, outras mais complexas. Algumas dessas diferenças são transmitidas pelos progenitores aos seus descendentes e, se os ajudarem a sobreviver ou a reproduzir-se, concede-lhes uma vantagem que acabam por torná-las mais comuns ao longo do tempo. Com o passar de muitas gerações, essas mudanças podem transformar a população e dar origem a novas espécies. Embora normalmente vejamos este processo como resultado da combinação do acaso (mutações aleatórias ao longo dos genes) e da seleção natural (onde o ambiente seleciona o mais apto), este estudo oferece uma nova perspetiva, olhando para a predisposição de certos tecidos e células adquirirem funções diferentes devido às mutações que vão acumulando. Assim, não são apenas as forças do acaso e da seleção natural que determinam a evolução de um organismo, mas também o modo como a sua biologia e desenvolvimento o pode enviesar.

Este estudo demonstra a importância de como a estrutura dos processos de desenvolvimento podem enviesar os caminhos evolutivos de grupos de animais que divergiram há cerca de 160 milhões de anos. Desta forma, se investigarmos as características dos seres vivos que têm maior probabilidade de mudar enquanto crescem e se desenvolvem, poderemos prever como esses organismos podem evoluir ao longo de períodos muito longos.

João Picão Osório

Imaginemos a relação entre a evolução e a biologia de um organismo como uma pessoa a explorar trilhos numa paisagem montanhosa e acidentada para alcançar os cumes com vistas deslumbrantes. Tipicamente, essa pessoa tenderia a escolher os caminhos mais acessíveis, seguros e com melhor vista. Mas, se o vento mudar ou se houver uma derrocada a bloquear a passagem, pode acabar empurrada para percursos mais íngremes e exigentes. Do mesmo modo, o desenvolvimento dos organismos pode atuar como uma força invisível: pode facilitar certos caminhos evolutivos, tornando-os mais prováveis, ou, pelo contrário, bloquear outros, impedindo que atinjam maior vantagem.

Neste estudo, a força invisível chama-se Wnt, uma família de proteínas que atuam como mensageiras entre as células, indicando-lhes como se devem comportar: quando se dividem, que função devem assumir e para onde têm de se mover dentro do organismo. Nos nemátodes investigados, dos géneros Caenorhabditis e Oscheius, a Wnt cria um gradiente de mensagens ao longo do corpo levando a que, de acordo com a posição de cada célula nesse gradiente, algumas se tornem mais sensíveis a pequenas alterações de origem genética ou ambiental, enquanto outras permanecem mais estáveis. Em Caenorhabditis, as células que estão na franja deste gradiente são mais vulneráveis a mudanças, a alterações rápidas e novas possibilidades evolutivas. Já em Oscheius, o gradiente de Wnt reduziu-se e alterou as células que são sensíveis a variação. Com base nestas observações, os cientistas propõem que a evolução não depende apenas das mutações que ocorrem, mas também da posição e da sensibilidade das células que as sofrem durante o desenvolvimento.

As conclusões da investigação, financiada pela União Europeia através das ações Marie Skłodowska-Curie, ajudam a perceber os diferentes caminhos evolutivos que organismos de linhagens próximas podem tomar, mesmo habitando em condições semelhantes. De forma mais ampla, permitem compreender melhor as interações entre dois fenómenos que intervêm na adaptação das diferentes formas de vida ao longo do tempo: a microevolução, que ocorre ao nível das espécies e das populações, e a macroevolução, que explica as grandes diferenças que surgem ao longo de milhões de anos.

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