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Arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), espécie endémica do Brasil classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza como estando “Em Perigo” de extinção. [◉°] Tacio Philip (Getty Images).

Um estudo publicado esta semana vem alertar para a urgência de se incluírem e utilizarem novos idiomas nos tratados internacionais que visam a proteção de espécies ameaçadas no mundo. A ausência mais notória recai precisamente sobre a língua portuguesa, a par da malaia, por serem ambas faladas em regiões do mundo com elevada biodiversidade – como os vários países da CPLP (distribuídos pela Europa, América, África e Ásia) e o Sudeste Asiático – das quais dependem muitos dos objetivos estabelecidos para travar a extinção de espécies nas próximas décadas. Publicado na revista científica Conservation Letters, o estudo é assinado por três cientistas portugueses, entre os quais os investigadores CE3C Maria Dias e Ricardo Rocha, e Diogo Veríssimo, da Universidade de Oxford.

A investigação analisou a distribuição de milhares de espécies presentes na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e cruzou estes dados com as línguas oficiais e mais faladas nos diferentes países onde ocorrem. Os resultados revelaram que, muito embora o espanhol e o inglês continuem a ser línguas centrais para a conservação à escala global, cobrindo áreas onde ocorre cerca de 25% da biodiversidade do planeta, o francês, o português e o malaio surgem logo a seguir com cerca de 10%. Enquanto os três primeiros idiomas gozam já de estatuto oficial nos tratados internacionais, o português e o malaio não são contemplados, apesar de superarem a importância de outras línguas oficiais, como o russo, o árabe ou o chinês nesta matéria.

Este desfasamento linguístico significa que comunidades, técnicos e investigadores de países com elevada diversidade como Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Malásia ou Indonésia ficam em desvantagem na negociação e no acesso a documentos científicos, jurídicos e políticos que orientam a aplicação das medidas internacionais para a conservação, como as do Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal até 2030.

A língua portuguesa sobressai no panorama da biodiversidade internacional, não só por se falar em países muito ricos do ponto de vista natural, mas também porque engloba regiões geográficas muito distintas – do Brasil a Timor-Leste, de Portugal a Moçambique. O leque de espécies que vivem por isso em regiões onde se fala português é enorme.

Maria Dias

A língua malaia é particularmente relevante para a conservação dos corais do Sudeste Asiático, cuja diversidade ultrapassa as 500 espécies na região do "Triângulo de Coral". [◉°] Comstock

Para ultrapassar este desafio, os autores defendem um sistema de quatro níveis de prioridade linguística, que integre: (1) línguas francas globais (como inglês e francês), (2) as línguas oficiais da ONU, (3) línguas prioritárias para a biodiversidade (como português e malaio) e (4) línguas locais e indígenas, vitais para a ação comunitária. Atentos ao advento da inteligência artificial, os autores sublinham ainda que pode ser arriscado confiar apenas em traduções automáticas, sobretudo em documentos técnicos e legais povoados por termos e conceitos muito próprios que podem dar azo a interpretações erradas. O estudo recomenda que sejam aplicadas soluções híbridas, que combinem ferramentas digitais com revisão especializada, e também iniciativas colaborativas de tradução realizadas localmente capazes de facilitar a compreensão e apropriação dos conteúdos.

A biodiversidade não fala apenas inglês, francês ou espanhol. Fala também, por exemplo, português e malaio. Dar espaço a esses “idiomas da vida” nos fóruns internacionais onde são desenhadas as políticas de proteção da biodiversidade é mais do que uma questão de equidade – é uma condição essencial para mobilizar comunidades e países que estão na linha da frente da conservação.

Diogo Veríssimo

Travar a perda de biodiversidade é um exercício coletivo que depende da ação local de cada Estado e comunidade, do seu compromisso e envolvimento. Perante as barreiras e desafios já existentes, será importante transpor os obstáculos linguísticos e dar voz aos diferentes “idiomas da vida”, aproximando, incluindo e mobilizando aqueles que podem realmente fazer a diferença neste desígnio mundial. Além dos investigadores portugueses, o estudo é ainda assinado por Carolina Hazin, bióloga brasileira especialista em políticas internacionais de ambiente.


Descubra mais no vídeo resumo em baixo (em inglês):

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