
É inegável o declínio acentuado da biodiversidade global a que temos assistido nas últimas décadas. Muito embora a consciência pública global acerca das alterações climáticas seja, de grosso modo, robusta, o cenário é categoricamente diferente para a perda de biodiversidade e extinção de espécies. Isto representa um sério desafio para os esforços de conservação, uma vez que a pressão para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas capazes de enfrentar esta crise se divide entre as normativas e agendas internacionais e o que é imposto nacionalmente pelos cidadãos.
No seio da biodiversidade, as espécies acolhem níveis de atenção distintos, de acordo com o seu reconhecimento e capacidade de desencadear emoções nas pessoas – os mamíferos e as aves, por exemplo, são tipicamente os grupos mais focados. Assim, se a biodiversidade se encontra numa situação preocupante, as espécies que potencialmente geram menor empatia estão numa situação dramática, como é o caso das plantas. Está disseminada e, ironicamente, enraizada uma indiferença às plantas na sociedade, um hábito de ignorar e menosprezar, uma “cegueira vegetal”, termo que deriva do original anglófono “plant blindness”. Este sentimento, infelizmente, não se coaduna com o seu estado de conservação: uma em cada cinco espécies de plantas conhecidas enfrentam a extinção, apesar de serem vitais para manutenção do bom funcionamento dos ecossistemas e todos os seus organismos, incluindo nós, que dependemos das mesmas para a alimentação e oxigénio. Na mesma linha, também a nível académico se verifica um desequilíbrio que pende para a vertente animal e que importa abordar. Para inverter este estado, é vital desenvolver novas estratégias, técnicas e tecnologias capazes de gerar um maior envolvimento das pessoas com as plantas, e assim suscitar o contacto, interesse, curiosidade e fascínio, mormente em meio urbano.
Um estudo inovador agora publicado na revista npj Biodiversity da Nature, coordenado por investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mostrou como a ciência cidadã e as aplicações móveis podem ser ferramentas educacionais úteis para aumentar a sensibilidade entre estudantes universitários e do público a nível nacional.
Sergio Chozas, investigador do cE3c e líder do estudo, revela que a equipa “procurou desenvolver atividades onde a participação dos estudantes e dos cidadãos pudessem não só desencadear o seu interesse pelas plantas, mas também contribuir para a ciência”. De telemóvel na mão e com ajuda de portais online (Flora-on e Biodiversity4All), os estudantes não só estudaram a diversidade de plantas em áreas próximas à sua casa – somando mais de 3 mil registos –, como foram capazes de categorizar diferentes espécies de carvalho de acordo com a sua resistência à aridez. Junto à Faculdade de Ciências, a mesma técnica demonstrou que os relvados com menor gestão e rega albergam uma maior diversidade de plantas. Já a nível nacional, os cidadãos tiveram a oportunidade de participar nos primeiros dois bioblitzes inteiramente dedicados à flora, uma iniciativa de levantamento intensivo de espécies num dado momento e local. Com mais de 10 mil registos e mais de mil espécies diferentes identificadas, os bioblitzes superaram em larga medida todas as iniciativas anteriores dedicadas à flora, quer em número de participantes, quer de dados recolhidos, tendo contribuído para um conhecimento mais fino da distribuição destas plantas em Portugal.
O investigador conclui que este exemplo estimula a que mais professores e investigadores “trabalhem no desenvolvimento de estratégias novas e originais para conseguir cativar e alertar os estudantes e a sociedade em geral para a importância da biodiversidade e o perigo da crise que enfrenta”.
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