Contacts Subscribe Newsletter
[◉°] John Baker

Raramente se descobrem os detalhes de uma história tão fascinante quanto esta, até porque são poucos os casos em que se consegue seguir o aparecimento de uma nova espécie ao longo de apenas 300 anos. Senecio squalidus, uma planta de flor amarela da família das margaridas, surgiu no século XVII no Jardim Botânico de Oxford após o cruzamento de duas plantas que habitam apenas no Monte Etna, na Sicília. O investigador CE3C Bruno Nevado lidera o estudo publicado ontem na revista científica Current Biology que retrata os vários momentos da existência desta espécie, desde a sua origem até à colonização de todo o Reino Unido durante a Revolução Industrial, pela lente da genética.

Entre o final do séc. XVII e início do séc. XVIII, as plantas Senecio chrysanthemifolius e Senecio aethnensis, espécies endémicas do inóspito Monte Etna em Itália, foram introduzidas nos jardins da Duquesa de Beaufort no Condado de Gloucester, Inglaterra, pelos botânicos Francesco Cupani e William Sherard. Se no vulcão as plantas ocasionalmente se encontravam por habitarem a altitudes diferentes – S. chrysanthemifolius abaixo dos 1000 metros e S. aethnensis acima dos 2000 –, no Reino Unido as condições ditaram a sua proximidade e cruzamento, dando origem a indivíduos híbridos que, durante as duas primeiras décadas do século XVIII, foram introduzidos no Jardim Botânico do condado vizinho de Oxford. Foi aqui que o cultivo destes indivíduos terá dado origem à nova espécie híbrida, Senecio squalidus.

Mais tarde, pelo final do século XVIII, S. squalidus escapou deste confinamento e chegar à malha urbana de Oxford, dando início à sua naturalização e à colonização do Reino Unido. Talvez por descender de espécies habituadas às difíceis condições da paisagem vulcânica, esta nova espécie conseguiu mais tarde expandir-se através da rede ferroviária, cujo desenvolvimento seguia a todo o vapor durante a Revolução Industrial, no século XIX. Foi “de comboio” que a flor amarela chegou praticamente a todo o Reino Unido ao longo de século e meio. Hoje, Senecio squalidus pode ser encontrada desde a Escócia até Gales, e até na Irlanda, junto a linhas de comboio, estradas e passeios, zonas industriais e outros perturbados pela ação humana.

[◉°] Bruno Nevado

Senecio squalidus é uma das poucas espécies híbridas com origem praticamente contemporânea.

Normalmente, as espécies híbridas são muito mais antigas, e é difícil perceber quais os processos que levaram ao seu aparecimento, e quais os processos que atuaram mais tarde durante a sua evolução, [enquanto nesta espécie é possível perceber] os processos envolvidos nos momentos iniciais deste tipo de especiação.

Bruno Nevado

Neste novo estudo, em colaboração com investigadores de várias Universidades Britânicas, o genoma desta espécie híbrida foi sequenciado juntamente com o centro de investigação Wellcome Sanger, em Cambridge. A análise de dados genéticos de S. squalidus e das suas espécies parentais revelou um processo extremamente rápido de reorganização do genoma na espécie híbrida, impulsionado pela resolução das incompatibilidades genéticas entre as espécies parentais e pela ação da seleção natural. Estes dois processos deram forma a um genoma único, combinando genes das duas espécies parentais e conferindo à nova espécie a capacidade de prosperar num novo ambiente, onde as duas espécies parentais não conseguem sobreviver. “Senecio squalidus funciona como um pequeno e ímpar laboratório para o estudo da hibridação e do seu papel no aparecimento de espécies novas e colonização de ambientes inóspitos”, conclui Bruno Nevado.

Related News

view all 10 s
Cientistas portugueses e europeus unem-se em esforço sem paralelo para preservar a biodiversidade

Projeto pioneiro à escala continental dá origem ao Biogenoma Portugal, consórcio co-liderado por Vítor C. Sousa, dedicado à investigação que promete contribuir para a salvaguarda das espécies do país.

17 Sep 2024

Peixes exóticos despertam vírus responsável pelo colapso dos anfíbios no Parque Nacional da Peneda-Gerês

A comunidade de anfíbios do Gerês foi incapaz de recuperar dos surtos de ranavirose detetados nos anos 90.

15 Nov 2022

Estudo mundial alerta para a degradação das zonas áridas devido ao aumento do pastoreio

Alice Nunes e Melanie Köbel são co-autoras do artigo publicado na revista Science.

24 Nov 2022

Ilhas de vida num mar de ameaças: biodiversidade única dos Açores em declínio devido às atividades humanas

Novo estudo liderado por Guilherme Oyarzabal e Paulo Borges revela que artrópodes endémicos do arquipélago rumam à extinção devido à degradação da floresta nativa e propagação de espécies invasoras.

05 Sep 2024

View All News