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Rita Eusébio. [◉°] Rúben Sousa de Oliveira

Tão depressa Rita Eusébio não esquece o dia em que inseriu o nome na história da zoologia nacional. Tudo se passou nos laboratórios do Museu de La Specola, em Florença, enquanto a aluna de doutoramento da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS) analisava bicho-de-conta de acordo as características fornecidas por Stefano Taiti, investigador que trabalha no Conselho de Investigação Italiano. A meio do estudo, Rita deparou com um espécime que não batia bem com nenhuma das características fornecidas pelo especialista em isópodes terrestres. “Se calhar, é alguma espécie que o professor não explicou”, chegou a pensar, sem deixar de estar certa: o cientista Stefano Taiti não se tinha pronunciado sobre aquela espécie, porque simplesmente ninguém a conhecia até àquele momento. E assim ficou registada a primeira aparição oficial da espécie Eluma cristata.

É uma descoberta importante para o cientista, mas é uma descoberta ainda mais importante para o estudo dos habitats que encontramos nos coluviões. Quando encontramos uma espécie, o habitat passa a ter um valor acrescido porque permite estudar como é que essa espécie se desenvolveu e, eventualmente, pode contribuir para descobrir outras espécies que permanecem desconhecidas.

Rita Eusébio

Rita Eusébio capturou os primeiros espécimes de Eluma cristata num coluvião situado na localidade de Alcobertas, em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Os coluviões são habitats subterrâneos que estão próximos da superfície. As amostras foram recolhidas com armadilhas iscadas que se encontravam a cerca de 60 centímetros da superfície, durante trabalhos de campo realizados entre 2022 e 2023 – mas a confirmação só chegou em janeiro de 2025, durante a visita aos laboratórios do professor Taiti.

Ana Sofia Reboleira, professora do Departamento de Biologia de CIÊNCIAS e orientadora do doutoramento de Rita Eusébio, admite que mais novidades possam surgir à medida que se vão estudando os coluviões, mas também destaca o pioneirismo da linha de estudo que levou até ao bicho-de-conta Eluma cristata.

A partir de agora, ficam abertas múltiplas hipóteses de estudo relacionadas com o habitat e a nova espécie, mas esta descoberta também denota que os coluviões são habitats ricos em biodiversidade, além de servirem de refúgio face ao que acontece à superfície com as alterações climáticas.

Ana Sofia Reboleira

Rita Eusébio está a fazer o primeiro doutoramento dedicado à biodiversidade dos coluviões (em Portugal Continental). Esta investigação também se insere na Cátedra de Ecossistemas Subterrâneos”, recorda Ana Sofia Reboleira. No doutoramento, Rita Eusébio contou ainda com a co-orientação de Maria da Luz Mathias e de Rui Rebelo, professores do Departamento de Biologia de CIÊNCIAS.

Com quase cerca de um centímetro de comprimento, os curiosos Eluma cristata devem o batismo às cristas que ostentam nos diferentes segmentos que constituem a carapaça destes bichos-de-conta. A descoberta da nova espécie, que foi levada a cabo durante o Programa Doutoral de Biologia e Ecologia das Alterações Climáticas e beneficiou de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, abre agora novas hipóteses de investigação.

“Fizemos o estudo taxonómico. Agora há que prosseguir com os estudos ecológicos para perceber se esta espécie passa o ano todo nos coluviões ou se migra para outros lugares, ou ainda recolher dados sobre o ciclo de vida, a alimentação e a reprodução, entre muitas outras coisas”, refere Rita Eusébio. “Notámos que são mais abundantes no outono, mas apenas analisámos um ano. Só com estudos feitos em mais anos podemos ver se há aqui um padrão”, refere ainda a doutoranda de CIÊNCIAS.

O trabalho de doutoramento de Rita Eusébio já recebeu distinções do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) e do XX Congresso Ibérico de Entomologia, da Universidade de Alicante, em Espanha. Depois de confirmada a descoberta, os espécimes capturados foram depositados no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, e constituem “a série típica”, que serve de referência para a comunidade científica levar a cabo futuras comparações que permitem confirmar se determinados espécimes pertencem ou não àquela espécie oficialmente classificada. “A partir desse momento, esse conjunto de espécimes de Eluma cristata passou a ser património do Estado Português”, conclui Ana Sofia Reboleira.

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