Mais de 80 por cento das aves de rapina portuguesas podem estar contaminadas por raticidas anticoagulantes, ameaçando a conservação de várias espécies, revela um estudo publicado em novembro por uma equipa do CE3C-Ciências ULisboa e da Universidade de Gran Canaria.
O estudo incide sobre 210 aves de 15 espécies, entregues em centros de recuperação no continente e na Madeira, e revela uma exposição generalizada a compostos usados no controlo de roedores. Do total de aves analisadas entre 2017 e 2024, 83 por cento apresentam sinais de pelo menos um raticida anticoagulante no fígado. Em quase 60 por cento dos casos positivos surgiam dois ou mais compostos, aumentando o risco de efeitos cumulativos e potencialmente fatais.
Os estudos de monitorização de envenenamento secundário por raticidas são recorrentes em vários países europeus, mas este é o primeiro realizado em Portugal.
Na Madeira, o problema é ainda mais grave: quase 90 por cento das aves apresentavam contaminação múltipla, com concentrações médias superiores às registadas no continente, sugerindo um uso mais intensivo de raticidas no controlo de pragas insulares.
Os raticidas anticoagulantes são usados para controlar roedores, provocando hemorragias internas fatais ao impedir a coagulação do sangue. Como persistem nos tecidos, acumulam-se em predadores que consomem presas contaminadas, representando um risco para aves de rapina. Por sua vez, nas aves estes compostos podem provocar hemorragias internas, fraqueza, perda de coordenação e, em casos extremos, morte. Mesmo em doses não letais, reduzem a capacidade de caça, aumentam o risco de acidentes e comprometem a reprodução. Entre os compostos detetados destacam-se o Brodifacoum e a Bromadiolona, substâncias altamente persistentes e tóxicas. As aves mais velhas revelam maiores concentrações, evidenciando o efeito de bioacumulação ao longo dos anos.
Espécies comuns como o Peneireiro-de-dorso-malhado e a Coruja-das-torres podem servir como sentinelas, permitindo acompanhar a evolução da contaminação devido à sua ampla distribuição e dieta baseada em pequenos roedores.
Estes resultados demonstram que os raticidas utilizados no controlo de pragas de roedores estão a entrar nas cadeias alimentares da fauna selvagem, o que coloca estas espécies em risco e exige medidas de mitigação para reduzir os impactos.
O estudo confirma que o impacto dos raticidas já não é pontual, mas sim um fenómeno persistente e transversal, afetando várias gerações de aves e fragilizando populações já vulneráveis. As consequências para a biodiversidade são significativas, podendo comprometer o equilíbrio dos ecossistemas se espécies essenciais diminuírem drasticamente ou desaparecerem de determinadas regiões.
Os autores defendem medidas urgentes, incluindo monitorização regular, restrições ao uso indiscriminado de raticidas e promoção de alternativas mais seguras no controlo de roedores, fundamentais para proteger a fauna selvagem.
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