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Paisagem da ilha da Madeira.

Com uma identidade única, mas partilhada entre si, os quatro arquipélagos da Macaronésia têm registados na sua flora todos os argumentos que justificam não apenas a sua proximidade, mas também o afastamento do continente. Juntas, as ilhas dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde alcançam números extraordinários: nas suas 40 ilhas, e mais de 400 ilhéus, podem ser encontradas mais de 18 mil espécies nativas de flora e fauna terrestre, 6400 das quais endémicas e que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. 


O que é uma região biogeográfica? Uma região biogeográfica define uma área com fauna e flora semelhantes, em resultado de uma história evolutiva comum. A extensão e os limites de cada região são tipicamente determinados por barreiras climáticas e físicas que limitam a dispersão das espécies.


Numa assumida tentativa de “defesa da identidade da Macaronésia como região biogeográfica”, os/as investigadores/as do CE3C Maria Cristina Duarte, Rui B. Elias e Maria M. Romeiras (também investigadora no LEAF-ISA) integraram uma equipa internacional de cientistas, sobretudo ibéricos, que procura encerrar o debate que se arrasta há quase dois séculos e que tem, de um lado, os defensores destas ilhas Atlânticas como floristicamente associadas  aos territórios mediterrânicos ocidentais e, de outro, aqueles que consideram terem identidade biológica suficiente para serem consideradas como uma unidade biogeográfica própria. Muito embora, a sua origem vulcânica – que dista dezenas de milhões de anos entre a ilha mais antiga e a mais recente a formar-se – e isolamento no oceano sejam características determinantes onde a sua singularidade assenta, é no resultado destes dois fatores que está o segredo do argumento pelo qual os cientistas se batem: a diversidade de vida que retiveram e originaram, e que as catapultou para o estatuto de hotspot de biodiversidade a nível global.
 

O termo Makaron nesoi deriva das palavras gregas antigas μακάρων [makárōn] (abençoados/as) e νῆσοι [nêsoi] (as ilhas), que se traduzem em Ilhas Afortunadas ou Ilhas dos Abençoados. Foi usado pela primeira vez ca. 700 a.C. pelo poeta grego Hesíodo [750-680 a.C.] (...) numa referência ao paraíso insular para onde iam os heróis da mitologia grega após a sua morte. O termo latinizado para Macaronésia, Fortunatae Insulae, apareceu pela primeira vez em 188 a.C., quando o dramaturgo Titus Maccius Plautus [255-185 a.C.], o utilizou na sua obra Trinummus (Três moedas).

La Cronología de Canarias, Martínez de Lagos & Quintero, 2006

Incorporação gradual de diferentes elementos florísticos continentais que moldaram a identidade da Macaronésia. Fernández-Palacios et al. 2024

Um olhar mais atento sobre esta magnífica biodiversidade, aparentemente espalhada em pequenas manchas de terra num pano azul infinito, permite encontrar uma proximidade inusitada, sobretudo na sua flora. Ao longo dos últimos 23 milhões de anos, as ilhas foram alvo de incursões de espécies de plantas vindas da Europa e de África e que nelas se fixaram e evoluíram, como o pau-branco (Picconia excelsa), a faia-da-terra (Myrica faya) e o dragoeiro (Dracaena draco). As diferenças entre os arquipélagos mais a Norte (excluindo Cabo Verde) ou mais a Sul (excluindo os Açores) foram atenuadas ao longo do tempo pelo aparecimento de novas espécies, endémicas da Macaronésia (denominadas por neo-endemismos), que resultaram sobretudo do isolamento dos ancestrais mediterrânicos que colonizaram a Madeira e as Canárias, e da sua posterior capacidade de dispersão entre as ilhas. São disto exemplo a suculenta Aeonium smithii e a serralha Sonchus arboreus. Juntos, estes processos estão na origem da diversidade florística atualmente existente, caracterizada por cerca de 900 espécies endémicas e 46 géneros de plantas vasculares exclusivos nestes arquipélagos.

Ilustrações de faia-da-terra e pau-branco. Webb & Berthelot (1836–1850)
Ilustrações de dragoeiro e Euphorbia atropurpurea. Webb & Berthelot (1836–1850)
Ilustrações de Aeonium smithii e da serralha Sonchus arboreus. Webb & Berthelot (1836–1850)

Mais recentemente, de há um milhão de anos para cá, novas espécies de plantas se aventuraram pelo Atlântico, como a rapa (Calluna vulgaris) que chegou aos Açores vinda do Norte, o sargaço (Cistus monspeliensis) que alcançou a Madeira e as Canárias, e a planta de flores amarelas Pulicaria burchardii, que existe hoje também nas Canárias e em Cabo Verde, sendo comum em Marrocos e na Mauritânica. Estes exemplos, dentro de uma extensa lista, são prova de que o enriquecimento da flora local continua a decorrer, reforçando a necessidade de se protegerem estas ilhas-reduto – verdadeiros laboratórios-vivos para o estudo da biodiversidade – com estratégias e ações específicas e dirigidas.
 

O reconhecimento da Macaronésia como região biogeográfica pode trazer vantagens no que respeita à conservação das espécies e ecossistemas, por exemplo, se passar a existir um maior destaque junto de entidades internacionais dedicadas à conservação da natureza e mais oportunidades de financiamento.

Rui B. Elias

 Fruto da necessária interação entre 3 países, a conservação integrada do património natural da Macaronésia pode ainda tornar-se exemplo internacional de cooperação e contribuir para o sucesso dos objetivos de desenvolvimento regional sustentável de cada um dos arquipélagos.

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