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Há muito que aquilo que acontece aos texugos não fica só entre texugos – e poucas pessoas conhecem tão bem essa realidade quanto David W. Macdonald, investigador da Universidade de Oxford, que apresentou, como convidado especial do Dia da Investigação e Inovação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS), os resultados de mais de 50 anos de estudo nos bosques de Wytham, no sul de Inglaterra, em torno da vida dos patuscos mamíferos. No final, ficou uma certeza: também nas barrigas das fêmeas de texugo é possível detetar efeitos das alterações climáticas. 

Para o zoólogo que hoje lidera a Unidade de Investigação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford (WildCRU), tendo entre as condecorações o título de Comandante da Ordem do Império Britânico:

À medida que a população (de texugos) vai crescendo, e apesar da reorganização socio-espacial, mais e mais fêmeas convergem nesta evolução stressante que reduz a viabilidade do blastocito e aumento de suscetibilidade para novas infeções uterinas, fracasso da implantação de blastocitos (no útero), perda de embriões, gravidezes falhadas.

David Macdonald

Ainda que pouco ou nada cooperantes em tarefas de proteção de crias, mecanismos de vigilância de perímetros ou escavação de tocas, os texugos catam-se mutuamente. Esta última característica está longe de ser despicienda para a qualidade de vida do grupo, mas há mais três fatores distintivos: uma predileção por minhocas da terra, a probabilidade considerável de serem portadores de vírus da família dos herpes, e um sentido de sociabilidade capaz de surpreender os humanos menos versados na matéria.

A investigação realizada desde os anos 70 permitiu apurar, em algumas ocasiões, que 40% dos texugos foram encontrados a socializar em, pelo menos, dois grupos alternativos ao de origem, sem registo de agressividade por parte de machos ou fêmeas concorrentes. Num desses estudos, foi mesmo possível apurar 48% de crias que tinham pais de fora do grupo em que as mães costumavam viver.

David Macdonald, professor na Universidade Oxford, cumprimentando Luís Carriço, diretor de CIÊNCIAS. [◉°] DCI-CIÊNCIAS

Seguramente que as minhocas da terra dispensavam ser envolvidas no tema, mas a verdade é que estas espécies que os cientistas comparam a “esparguete animado” devido ao papel que desempenham na dieta dos texugos já começaram a ressentir-se das variações de temperatura e humidade no solo. Acresce a este fator uma certa tendência para o convívio amistoso começar a deteriorar-se quando os grupos crescem e passam a registar comportamentos agressivos que têm como desenlace a migração de parte dos membros para novos locais.

O stress que está na origem desta migração de animais e do contágio de doenças entre grupos também afeta a capacidade reprodutiva, quando combinado com os efeitos das alterações climáticas, que levam à ativação de um vírus da família dos herpes (MusGHV-1) durante o período de fecundação. Esse efeito nefasto costuma ocorrer quando o blastocisto ainda não se implantou no útero das fêmeas de texugo.

Devido a todos estes fatores, a equipa de Oxford estima que cada gravidez registada em simultâneo com a reativação do vírus MusGHV-1 apresente uma probabilidade de fracasso 3,7 vezes superior face a outras que não têm estas condicionantes.

David Macdonald confirma que, no início, trabalhava com outros mamíferos – e só depois acabou por ser encaminhado para o estudo detalhado das comunidades de texugos. É possível que a simpatia pelos animais listados tenha crescido ao longo do tempo, mas o investigador de origem escocesa recorda que essa é apenas uma parte de um objetivo maior, que remete para o estudo dos efeitos que as alterações climáticas podem ter no contágio de doenças, ou noutros fatores que ameaçam a vida selvagem.

“Fui mantendo o estudo dos texugos ao longo destes anos, mas o objetivo sempre foi conhecer os mecanismos biológicos que suportam a vida”, concluiu o investigador.

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