
Ricardo Diaz-Delgado é investigador na Estação Biológica de Donãna, sediada no Parque Nacional com a mesma designação no Sul de Espanha, a cerca de 100 quilómetros de Portugal. Dedica-se, sobretudo, ao desenvolvimento de aplicações e ferramentas de deteção remota capazes de suportar a monitorização de ecossistemas a longo-prazo.
Esta metodologia, denominada como LTER (Long-Term Ecological Research), centra-se na recolha padronizada e posterior análise de dados relativos a variáveis climáticas, como temperatura, a humidade e a precipitação, ou variáveis biológicas como a produtividade primária e a diversidade flora e fauna, entre outras. O objetivo é compreender a ocorrência de fenómenos e dinâmicas que apenas o tempo permite analisar, como a desertificação, a frequência de períodos de seca e ondas de calor, ou as variações na abundância de espécies.
A plataforma LTsER Montado, pertencente à rede LTER portuguesa, é coordenada pela investigadora CE3C Margarida Santos-Reis e inclui, entre outros locais, a Herdade da Ribeira Abaixo. A inclusão do “s” no acrónimo revela o cariz dos dados levantados a longo-prazo que, neste caso, vão além da componente ecológica para integrar os aspetos sociais, tornando-se socioecológica. Contamos tudo neste vídeo.

O título da 9ª edição do Encontro Anual do CE3C, Frontiers in E3, “Regresso ao futuro: transpondo a história para cenários vindouros” (Back to the future: bridging history into upcomig scenarios), fazia antever o foco nesta matéria, também alinhado com a comemoração dos 30 anos da Herdade da Ribeira Abaixo. Num elo assente na visão LTER, o Alentejo e Doñana foram conectados pelo investigador espanhol, que trouxe a sua experiência até ao Museu Nacional de História Natural e Ciência.

Como pode a investigação ecológica a longo prazo beneficiar a nossa compreensão acerca dos sistemas ecológicos?

Na minha perspetiva, o principal objetivo subjacente aos grandes esforços para sustentar programas de investigação e monitorização ecológica a longo-prazo é o de fornecer uma série temporal consistente de dados relevantes e representativos do ritmo da dinâmica do ecossistema. Depois, os valiosos dados recolhidos in situ têm muitas vantagens em revelar com precisão as tendências e anomalias na dinâmica dos ecossistemas, que são efetivamente utilizadas como base para a tomada de decisão pelos gestores e profissionais da conservação. Os ecossistemas são sistematicamente sujeitos a fatores de stress e perturbações, dos quais se reestruturam e recuperam. A capacidade de compreender o impacto das alterações globais nos ecossistemas dependerá da quantidade e da qualidade dos dados, e da informação de que dispomos sobre a sua função, estrutura e dinâmica.

Durante a apresentação, foram reveladas alterações paisagísticas em curso em Doñana. De que forma as décadas de investigação acumulada contribuíram para a compreensão dessas alterações e como está a tecnologia a ajudar?

Como revelam os dados de observação da Terra e de teledeteção, as zonas húmidas de Doñana, os seus ecossistemas mais representativos, apresentam uma redução global do hidroperíodo, ao contrário das massas de água que rodeiam a área protegida. Como consequência da longa seca atual, nos últimos 4 anos não se registou qualquer reprodução de aves aquáticas. As principais ameaças evoluíram nos últimos 40 anos, desde o risco de extinção de espécies emblemáticas até à atual perda rápida de habitats aquáticos e dos serviços de ecossistema que estes proporcionam.
Uma das principais preocupações decorre do escasso conhecimento sobre a resiliência dos ecossistemas, a capacidade de recuperação perante os fenómenos extremos mais frequentes. Embora a conservação se centre principalmente na manutenção das populações de espécies, pouco se sabe sobre a capacidade das comunidades e dos ecossistemas para conterem e se adaptarem à mudança. Em Doñana, as ações de mitigação centram-se na garantia do abastecimento de água às zonas húmidas através do alargamento da área protegida e, mais recentemente, na redução da utilização ilegal de água subterrânea. A tecnologia baseada na deteção remota e próxima está a ajudar a identificar, localizar e quantificar a decomposição da vegetação, as alterações na fenologia e a produtividade primária ou a humidade do solo.

Este ano assinala-se o 30º aniversário da Herdade da Ribeira Abaixo, um importante sítio LTER dentro da plataforma LTsER Montado. Que importância e desafios antevê para este ecossistema?

Os montados ou montados ibéricos são sistemas agro-silvo-pastoris únicos que atingem uma multifuncionalidade e asseguram serviços essenciais para a humanidade. Uma longa co-evolução com as sociedades humanas evidencia nestas paisagens a necessária integração da gestão e da conservação. No entanto, o abandono das terras, a deterioração das árvores, o sobrepastoreio ou os incêndios florestais são ameaças importantes para o sítio LTER da Herdade da Ribeira Abaixo, que exigem ações de conservação baseadas na investigação e monitorização a longo-prazo, bem como em abordagens socioecológicas, que contribuirão para revitalizar e melhorar os serviços de ecossistema. Estou fortemente empenhado nas atividades conduzidas pelos nossos colegas, que estão certamente a abrir uma nova era de sustentabilidade.
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